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[Crítica] Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos — El Toro Fuerte (2019)

Nota: 7.5/10

Ouvir pela primeira vez uma canção de uma banda que não se conhecia é uma sensação única. É divertido tentar adivinhar, sem saber de qualquer outra influência de seus trabalhos, o que aqueles artistas quiseram dizer. É quase como conhecer uma nova pessoa — tem-se uma primeira impressão carregada de curiosidade e nada mais. Para a banda belorizontina El Toro Fuerte, a música que geralmente faz as honras de ser o cartão de visitas é “Se a gente tivesse se conhecido”. Com 161 mil plays no Spotify, é a mais popular do grupo na plataforma. A premissa é nostálgica: se nós nos conhecêssemos desde a infância, teríamos gostado um do outro?

Music | El Toro Fuerte
VITOR JABOUR/ Divulgação

A banda fez sua estreia em 2016 com o álbum Um Tempo Lindo Para Estar Vivo, revelando-se como uma agradável surpresa na cena musical mineira. Com influências dojazz ao math rock e do soft rock ao heavy metal, eles categorizam o som como música brasileira popular e emocional. Em janeiro deste ano, o grupo entregou ao público seu segundo disco de estúdio: Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos.


Mas por que El Toro Fuerte? Segundo Diego Soares (vocal, baixo e guitarra), a escolha do nome se deve a um personagem do desenho As Aventuras de Jackie Chan, transmitido pela Rede Globo a partir do início dos anos 2000. “Nós já tínhamos ‘Se a gente tivesse se
conhecido’ pronta e, comentando sobre coisas da infância, relatei que sempre gostei de acompanhar luta livre”, conta ele. “Da mesma forma, chegamos aos desenhos que assistíamos, e a diferença de idade dos integrantes mostrou que tínhamos como ponto de interseção a carreira do Jackie Chan: o desenho para os mais novos e os filmes para os mais velhos, então juntamos as duas coisas”. Na animação, El Toro Fuerte é um profissional de luta livre mexicana.

Divulgação

A sonoridade do grupo é uma experiência imersiva. Os instrumentos são usados como mediadores para transmitir as sensações, criando atmosferas melódicas interessantes. Nossos Amigos e os Lugares que Visitamos é prova disso. O disco já começa com a nostalgia característica das músicas da El Toro: “É tão triste que as coisas não ficaram desse jeito, mas é assim e hoje você não é o mesmo”, cantam em “Aniversários são difíceis”, faixa que abre o álbum.


Com seis minutos de duração, a canção navega entre suavidade e agressividade, ilustrando a confusão de sentimentos causada pelas relações humanas. A banda explica essa variação dizendo que, como não possuem limitação sonora e estética, uma vez que não tentam se encaixar em nenhum gênero, a miscelânea acaba sendo grande. Essa, aliás, é uma das peculiaridades do som do grupo. “Interpretamos tudo da forma que nossos corpos consigam executar e tentamos nosso melhor para imprimir nossa marca”.


Em ‘Aquário’, a banda canta ‘eu só queria ser um pouco mais fiel a quem eu sou, afinal’. De fato, a vida adulta faz com que tomemos formas que nem sempre são as nossas, quase nos privando de nós mesmos. Talvez por isso, o verso se completa com o eu-lírico expressando seu desejo de “se afundar nos sonhos mais infantis”. Outro tema frequente no álbum é o amor conturbado e, muitas vezes, não correspondido. A ótima ‘Fim do Inverno’ termina com a melancólica constatação de que “embora seja mais complicado que um sim ou não, eu vou sempre ter carinho por você”.


Sobre ter seus sentimentos tão expostos para o público, os integrantes da banda afirmam que, depois de prontas, as músicas tomam vida própria e fazem parte de eu-líricos atrelados a um espaço tempo. “A partir daí, elas não doem mais, uma vez que não são unicamente nossa narrativa e interpretação”, explicam. “São como assistir a um filme preferido e confortável”.


O amadurecimento se faz presente, também, no processo criativo. Do primeiro para o segundo álbum, a El Toro tornou-se mais segura das próprias falhas e consciente dos próprios méritos. “Aprendemos recentemente a nos divertir mais e acho que está sendo bem mais leve”, diz Diego, “tem sido mais profissional e fluido ao mesmo tempo”. Por fazerem um som complexo e cheio de detalhes, eles relatam que a experiência no estúdio é desgastante e trabalhosa. Com efeito, as músicas da El Toro demonstram uma criatividade de arranjos que não parece ser simples de se alcançar.

Brincando com estruturas e melodias, a banda faz render ao máximo a duração das faixas. “Nos Seus Movimentos”, com participação de Laura Vilela, se desfaz da percussão e das guitarras enérgicas após o refrão, dando lugar a um andamento mais lento sobre o qual a convidada canta “eu amo sentir sua falta de tarde”.

Mineiros da banda 'El Toro Fuerte' exploram sons para além da ...
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El Toro Fuerte talvez seja o reflexo de uma juventude cansada em busca de algo novo. É música para se ouvir na cidade, vendo as casas passarem à beira da linha do trem; ou deitado no quintal, observando as nuvens se dissiparem no céu e sem nenhuma preocupação — como uma criança, mesmo. Sobretudo, é música de Belo Horizonte e fortemente influenciada pela capital mineira. “A cena musical de BH está entranhada no nosso som, postura e intenção, e acreditamos que seríamos uma banda ‘mais comum’ se fôssemos de fora dessa cidade”.


De fato, outras ótimas bandas em atividade são provenientes de Belo Horizonte, como Lupe de Lupe, Churrus e Devise. Com uma cidade tão rica culturalmente, espera-se que os integrantes da El Toro se mantenham inspirados para a produção de mais discos no futuro. “Pretendemos continuar para sempre na pegada mais emocionalmente responsável e com a intenção de fazer música eterna — pegar o que há de eterno no novo e misturar com o que a gente aprendeu, ama e conhece. Para sempre mesmo.”

Este conteúdo foi publicado originalmente na versão em revista da Público. Confira aqui.

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